O estado do Rio Grande do Norte, em particular a cidade Mossoró, localizada no oeste potiguar é muito conhecida pela sua famosa resistência ao bando de Lampião. Fato esse que ocorreu em 1927 e até hoje, sua população relembra esta data. Desta forma, nos festejos juninos a cidade comemora todo esse episódio com a apresentação da peça teatral, chamada Mossoró Chuva de Bala.
http://www.prefeiturademossoro.com.br/mossorocidadejunina/chuvadebala.html
Nesse sentido, fazendo uma rápida pesquisa descobri que a Cidade possui um grupo de estudo chamado Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC). O grupo se dedica a estudar não somente a temática do Cangaço, mais outros temas que fazem parte da realidade e do imaginário Nordestino.
Algumas informações sobre esta Sociedade e seu objeto de estudo podem ser encontradas no link abaixo.
http://lentescangaceiras.blogspot.com.br/search/label/Entrevista%3A%20Kydelmir%20Dantas%20%28%20O%20Mossoroense%29
Abaixo transcrevo a entrevista do seu presidente, o pesquisador Kyldemir Dantas no ano de 2008 para o Jornal O Mossoroense.
SEGUNDA-FEIRA,
28 DE JULHO DE 2008
Entrevista - Kydelmir Dantas
Entrevista com o Presidente da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, Kydelmir Dantas, por "O Mossoroense":
Entrevista - Kydelmir Dantas
Entrevista com o Presidente da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, Kydelmir Dantas, por "O Mossoroense":
O
Mossoroense - O que o levou a ter interesse em pesquisar o cangaço?
Kydelmir
Dantas - A culpa foi do meu pai. Ele era um autodidata que lia
compulsivamente e eu
ouvia muitas histórias sobre os sertanejos,
sobre cangaceiros. Daí comecei a me interessar pelo estudo do
cangaço, pelas coisas do Nordeste e a influência que esse movimento
representou para o sertão.
OM
- Você nasceu em Mossoró?
KD - Eu sou de Nova Floresta, Paraíba, e estou em Mossoró há 19
anos, desde que comecei a trabalhar na Petrobras. Sou mossoroense há
19 anos de fato e de direito, até porque sou cidadão mossoroense.
Gosto muito daqui.
OM - Existem duas fases no cangaço: a primeira foi com o surgimento de Jesuíno Brilhante e a segunda com Lampião, Antonio Silvino e outros. Existe alguma diferença no comportamento dos cangaceiros de uma fase para a outra? KD - Uso como exemplo a Bíblia: antes de Cristo e depois de Cristo. O cangaço está dividido em duas fases: antes de Lampião e depois de Lampião. Antes de Lampião existiam pequenos grupos, a maioria ligados em questões de família e política, como Zé Pereira e Jesuíno Brilhante. Na briga de Brilhante com os Limões, por exemplo, a política estava do lado dos Limões. Zé Pereira não começou no cangaço como meio de vida e sim por causa de briga de famílias, ele brigou com os Carvalhos.
OM - Existem duas fases no cangaço: a primeira foi com o surgimento de Jesuíno Brilhante e a segunda com Lampião, Antonio Silvino e outros. Existe alguma diferença no comportamento dos cangaceiros de uma fase para a outra? KD - Uso como exemplo a Bíblia: antes de Cristo e depois de Cristo. O cangaço está dividido em duas fases: antes de Lampião e depois de Lampião. Antes de Lampião existiam pequenos grupos, a maioria ligados em questões de família e política, como Zé Pereira e Jesuíno Brilhante. Na briga de Brilhante com os Limões, por exemplo, a política estava do lado dos Limões. Zé Pereira não começou no cangaço como meio de vida e sim por causa de briga de famílias, ele brigou com os Carvalhos.
OM
- Qual foi o tema do Simpósio do Cangaço?
KD - A Sociedade Brasileira de Estudo do Cangaço (SBEC) nasceu há
13 anos com o objetivo de estudar com profundidade o assunto. Mas,
temos no nosso estatuto, como obrigação, não somente estudar o
cangaço mas todos os temas que possam estar relacionados a ele. Esse
Simpósio, por exemplo, tem quatro vertentes: A influência na
cultura do Nordeste, o coronelismo, que é um estudo da posse da
terra ao controle da mídia, os direitos autorais no cordel e sobre
religião e política no Rio Grande do Norte nos anos 30. Muitos
temas estão intrinsecamente ligados ao cangaço e o estudo não pode
ser limitado. Tem que ser amplo.
OM
- O livro "A marcha de Lampião", de Raul Fernandes, filho
do prefeito Rodolfo Fernandes, que comandou a defesa de Mossoró em
1927, mostra um Lampião bandoleiro, um bandido comum, absolutamente
cruel. O que você acha dessa abordagem?
KD - Dentro do universo do cangaço temos duas vertentes. Até três.
Tem o escritor imparcial, tem o que é a favor e tem o que é contra
Lampião. Logicamente, sendo filho de Rodolfo Fernandes, Raul não
poderia colocá-lo de forma diferente. Tinha que puxar para o lado
dele. O fenótipo que ele produz de Lampião não tem nem em
fotografia: o de que ele era negro, do cabelo ruim, do beiço virado
e da canela lascada. Em fotografias você vê que Lampião não era
assim, ele era caboclo e não negro. O livro dele é interessante
pelos aspectos da resistência da cidade ao bando do cangaceiro
montada pelo seu pai, Rodolfo Fernandes, o grande comandante daquela
defesa, que deveria ser venerado pelos mossoroenses. No cemitério,
estranhamente, veneram Jararaca, o bandido morto durante a tentativa
de invasão. Já o padre Frederico Bezerra Maciel só falta canonizar
Lampião. É absolutamente a favor do cangaceiro e da sua história.
Temos que ter equilíbrio e isenção. Temos que ver o aspecto
histórico para não passarmos informações deturpadas para as novas
gerações. Não queremos transformá-lo em herói e tampouco em
bandido ao extremo. Nem em santo, nem diabo. É preciso lembrar que o
cangaço foi um produto de uma época.
OM
- Voltando ao Simpósio do Cangaço, o resultado foi bom?
KD - Se levarmos em consideração que a abertura do evento aconteceu
no dia da abertura da Copa do Mundo e tínhamos um auditório com
mais de 200 pessoas assistindo a palestra sobre coronelismo, posso
dizer que o resultado foi muito positivo. Durante todo o dia foi
muito concorrido. Íamos encerrar às 17 horas, mas somente
conseguimos às 18 horas porque até aquela hora tinha pessoas
debatendo, questionando os assuntos tratados.
OM
- Você, que é considerado um dos maiores estudiosos do cangaço no
Nordeste e talvez até mesmo no Brasil, possui algum site que
divulgue o resultado de suas pesquisas?
KD - Eu assumi a presidência da Sociedade Brasileira de Estudo do
Cangaço (SBEC) há dois anos. Nesse momento estamos montando um site
para divulgação de artigos e resultados de estudos. Atualmente
passo por e-mail para algumas listas as informações que recebemos.
A Internet tem ajudado muito. Divulgo os trabalhos com o apoio da
empresa onde trabalho (Petrobras) e os que quiserem entrar em contato
podem escrever para kydelmir@petrobras.com.br . Em dezembro o site
estará pronto.
OM
- O espetáculo "Chuva de Bala" retrata bem a resistência
da cidade ao bando de Lampião?
KD - Na palestra que fiz sobre a influência do cangaço no teatro,
na cultura, falei justamente sobre o Chuva de Bala, que começou no
átrio da Igreja São Vicente e que muita gente chama de Capela de
Lampião (risos). No começo a encenação era mais realista, mas
sempre seguiu uma linha histórica. Depois, veio um diretor "global".
Aliás, esse nome global está se tornando uma peste. Para ser
alguém, tem que ser da Globo, para ser bom, tem que ser da Globo.
Depois, chegou João Marcelino e mostrou que é muito capaz, que faz
um excelente trabalho, sem ser da Globo, pois o global Abujamra
literalmente estuprou a história da resistência a Lampião. Foi um
estupro a história e aos resistentes. Depois, João Marcelino pegou
o texto e fez uma coisa mais aproximada da história, mais realista.
Tanto, que os atores mais aplaudidos foram os que representaram a
resistência. Depois, nos anos seguintes, passou-se a fazer a coisa
mais "hollywodiana" e os atores que representaram os
cangaceiros foram mais aplaudidos do que os da resistência.
OM
- Outro dia o poeta Caio Muniz falou sobre as estátuas que enfeitam
o espaço Arte da Terra. Dizia que os resistentes eram esquecidos, em
detrimento aos cangaceiros...
KD - Realmente. Quando a gente pensa em Rodolfo Fernandes, em
homenageá-lo, termina por ver esses contrastes. Por exemplo, na
praça Rodolfo Fernandes não tem mais o seu busto, que existia na
década de 70. Fizeram inúmeras reformas na praça e terminaram por
tirar o busto do homenageado que era para estar ali. Nós que fazemos
a SBEC procuramos dar ênfase aos resistentes. Sempre trabalhamos
nessa linha. Jamais fizemos nenhum evento que enaltecesse o nome dos
cangaceiros. Nunca fizemos um seminário que dissesse: O ataque de
Lampião a Mossoró. Sempre ligamos preferencialmente o nome dos
resistentes. No ano passado, por exemplo, no Chuva de Bala,
exageraram tanto na dança, no palco, em Lampião, que só faltou
cangaceiro dançando balé no palco. Tanto que quando terminou o
espetáculo, João Marcelino me perguntou se eu tinha gostado e eu
respondi: no ano que vem não precisa contratar ninguém, basta
trazer Gal Costa para cantar "Chuva de Bala que cai sem
parar..." (risos). Leonardo Sodré - O Mossoroense
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