Artistas, crítico e pesquisador falam sobre os 30 anos do movimento musical.
'Modificou não só a vida de muitos artistas, mas de setores', diz Luiz Caldas.
Mas afinal de contas, o que significa axé music? Gênero, movimento musical, indústria? Na verdade, um pouco de tudo. Aos 30 anos, uma certeza: existem milhares de motivos para celebrar essa manifestação cultural que nasceu em Salvador. Para Paulo Miguez, doutor em Comunicação e Culturas Contemporâneas e estudioso do carnaval, a axé music pode ser compreendida a partir do ponto de vista estético e mercadológico.
[Até quinta-feira (12), o G1 publica reportagens especiais sobre os 30 anos da axé music]
“Eu acho que essa cidade ter produzido um gênero musical de rua, de festa, com uma potência impressionante em todos os sentidos, o número de artistas envolvidos, a qualidade desses artistas, merece fortemente ser celebrado como uma grande conquista da produção musical, da produção musical estético musical da cultura baiana”, defende Miguez.
Segundo ele,
há uma outra forma de se pensar axé music, que é do ponto de vista do negócio que ela produziu: o carnaval. “Nos produziu uma economia da festa, um mercado que antes praticamente não se existia”, explica. O marco zero do movimento iniciado oficialmente com Luiz Caldas é a partir do disco Magia, produzido na Bahia em 1985 e que atingiu a marca de 100 mil cópias vendidas no estado.
há uma outra forma de se pensar axé music, que é do ponto de vista do negócio que ela produziu: o carnaval. “Nos produziu uma economia da festa, um mercado que antes praticamente não se existia”, explica. O marco zero do movimento iniciado oficialmente com Luiz Caldas é a partir do disco Magia, produzido na Bahia em 1985 e que atingiu a marca de 100 mil cópias vendidas no estado.
“Uma gravadora independente [a WR], baiana, sem ter apoio nenhum, sem ter divulgação nenhuma nacional, ou seja, só na cidade, com o apoio de uma música de rua e das rádios de Salvador. Então é marco zero aquele sucesso [Fricote], que levou Luiz Caldas no Chacrinha na época, que também abraça a axé music, que ainda não tinha esse nome na época”, conta Hagamenon Brito, jornalista e crítico musical baiano que criou o termo axé music.
Padrasto ou Padrinho?
A expressão que rotula a produção feita na Bahia em meados da década de 1980, marcada pela mistura de ritmos e consolidada com o carnaval de Salvador, nasceu a partir de uma ironia feita por Hagamenon Brito em textos jornalísticos que circularam entre os anos de 1987 e 1989.
A expressão que rotula a produção feita na Bahia em meados da década de 1980, marcada pela mistura de ritmos e consolidada com o carnaval de Salvador, nasceu a partir de uma ironia feita por Hagamenon Brito em textos jornalísticos que circularam entre os anos de 1987 e 1989.
“Axé”, segundo ele, era a gíria utilizada na época para enquadrar tudo que se classificava como brega. Já o complemento “music”, surgiu a partir da pretensão dos artistas daquele movimento em conquistar o mundo.
“Ele nasce desse jeito. Ele sofre críticas no início porque as pessoas sabiam que ele tinha sido criado de modo pejorativo. Os músicos da axé music obviamente não gostavam do termo. Algumas pessoas religiosas não gostavam do uso do termo ‘axé’, que em iorubá significa sorte, felicidade, boa vibração, e ele demora uns cinco anos talvez para ser aceito. Porque tem um componente que muda, a mídia do sul, os jornais do sul começam a usar o termo axé music também, então começa a quebrar a resistência em Salvador e começa a ser visto como um termo legal”, conta.
“Ele nasce desse jeito. Ele sofre críticas no início porque as pessoas sabiam que ele tinha sido criado de modo pejorativo. Os músicos da axé music obviamente não gostavam do termo. Algumas pessoas religiosas não gostavam do uso do termo ‘axé’, que em iorubá significa sorte, felicidade, boa vibração, e ele demora uns cinco anos talvez para ser aceito. Porque tem um componente que muda, a mídia do sul, os jornais do sul começam a usar o termo axé music também, então começa a quebrar a resistência em Salvador e começa a ser visto como um termo legal”, conta.
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Para Hagamenon Brito, existem dois aspectos que devem ser destacados na história da axé music. O primeiro, positivo, pois aquele movimento musical foi capaz de transformar Salvador. Estúdios novos foram criados, diversas pessoas ascenderam socialmente, estudaram música e ajudou a melhorar a auto-estima da cidade. “A axé music movimentou Salvador, deu uma ensolarada”, conta. Porém, para o crítico, a monocultura musical promovida principalmente na década de 1990, o auge da axé music, prejudicou artistas e bandas que faziam outro gênero em Salvador.
“A monocultura musical empobrece a cidade, faz com que as pessoas fiquem muito ligadas ao próprio umbigo, deixam de trocar informações. Bandas de fora precisavam fazer shows junto com uma banda de axé. Como por exemplo, os Paralamas do Sucesso, que começaram a fazer shows com o Cheiro de Amor porque era uma forma de se garantir no mercado. Isso eu achei ruim na axé music. Houve um excesso de mercantilismo, de ambição dos empresários”, critica.
“A monocultura musical empobrece a cidade, faz com que as pessoas fiquem muito ligadas ao próprio umbigo, deixam de trocar informações. Bandas de fora precisavam fazer shows junto com uma banda de axé. Como por exemplo, os Paralamas do Sucesso, que começaram a fazer shows com o Cheiro de Amor porque era uma forma de se garantir no mercado. Isso eu achei ruim na axé music. Houve um excesso de mercantilismo, de ambição dos empresários”, critica.
Como tudo começou...
Luiz César Pereira Caldas, o Luiz Caldas. Batizado como o pai da axé music, o multiinstrumentista de Feira de Santana, interior da Bahia, começou a cantar aos 7 anos, na época em que morava em Vitória da Conquista, no sudoeste baiano, e até os 16 tocou em bandas de bailes.
Luiz César Pereira Caldas, o Luiz Caldas. Batizado como o pai da axé music, o multiinstrumentista de Feira de Santana, interior da Bahia, começou a cantar aos 7 anos, na época em que morava em Vitória da Conquista, no sudoeste baiano, e até os 16 tocou em bandas de bailes.
Em Salvador, Luiz Caldas se encanta com o poder do trio elétrico em atrair milhares de pessoas pelas ruas, e o ritmo predominante naquele momento era o frevo. “Eu já estava acostumado a tocar todo tipo de música e não ia me contentar com só uma coisa. E foi daí, dessa necessidade, que surgiu a axé music, que é uma mistura de ritmos. Carlinhos Brown disse há pouco tempo em uma entrevista que a axé music é como uma esponja, e ele tem razão, uma esponja que absorveu toda a música brasileira e transformou nessa alegria”, define Luiz Caldas.
Paralelo ao sucesso do músico em 1985, quando a canção Fricote, de Paulinho Camafeu e Luiz Caldas, alcança as paradas de sucesso no país inteiro e atrai os olhos da mídia para a música feita na Bahia, destaca-se também Sarajane que, segundo o próprio cantor, era a versão feminina dele na época. Quatro meses após o estouro da axé music, a cantora é convidada para o programa Cassino do Chacrinha. “Eu fiz sucesso com 'Cadê meu Coco', de Carlinhos Brown, depois veio 'A Roda' e 'História do Brasil', que foi quando eu descobri o cantor e compositor de reggae Edson Gomes”, relembra Sarajane.
Paralelo ao sucesso do músico em 1985, quando a canção Fricote, de Paulinho Camafeu e Luiz Caldas, alcança as paradas de sucesso no país inteiro e atrai os olhos da mídia para a música feita na Bahia, destaca-se também Sarajane que, segundo o próprio cantor, era a versão feminina dele na época. Quatro meses após o estouro da axé music, a cantora é convidada para o programa Cassino do Chacrinha. “Eu fiz sucesso com 'Cadê meu Coco', de Carlinhos Brown, depois veio 'A Roda' e 'História do Brasil', que foi quando eu descobri o cantor e compositor de reggae Edson Gomes”, relembra Sarajane.
Para ela, axé music não pode ser considerada um estilo de música. “Essa foi uma forma que chamaram lá o povo que cantava e dançava daquele jeito. A música 'axé' é o ijexá, o samba reggae, galope, merengue, então são estilos variados, forma de dançar, cantar, falar e se vestir, o colorido, é um todo”, opina.
Contratada na época por 10 anos por uma gravadora internacional, a também pesquisadora de ritmos se consagrou como um dos ícones do primeiro momento da axé music e agradece ao estúdio WR, do produtor Wesley Rangel, que bancou a ousadia de lançar discos e artistas baianos em um momento em que a produção musical ficava restrita ao eixo Rio-São Paulo.
“Quando eu gravei o ‘Merengue, Deboche’ na WR, com a ousadia de Rangel, o disco vendeu 45 mil cópias. Isso só na Bahia”, relembra. Para o crítico Hagamenon Brito, a axé music criou uma indústria própria em Salvador, que deslocou pela primeira vez o eixo da música nacional. “Não existia até a década de 1980 nenhuma outra cidade fora do eixo Rio-São Paulo que tivesse uma indústria, tivesse gravadora [como a WR], que tivesse tantos artistas fazendo sucesso e consumindo a sua própria música. Isso foi uma coisa inédita”, conta o jornalista. Para ele, o movimento tem motivos de sobra para comemorar.
Luiz Caldas também ressalta a importância da axé music para o contexto sócio-econômico do cenário musical baiano. “Eu consegui inventar a axé music e modificou não só a vida de muitos artistas e de muita gente, mas também de setores. São famílias que vivem de axé music, porque existe uma gama de setores que se utilizam da axé music para poder sobreviver”, orgulha-se. “Para mim, isso é maravilhoso, são 30 anos de sucesso e que o mundo gosta e que dá pano pra manga e ainda vai dar muito pano pra manga para todo mundo”, alerta.
“Quando eu gravei o ‘Merengue, Deboche’ na WR, com a ousadia de Rangel, o disco vendeu 45 mil cópias. Isso só na Bahia”, relembra. Para o crítico Hagamenon Brito, a axé music criou uma indústria própria em Salvador, que deslocou pela primeira vez o eixo da música nacional. “Não existia até a década de 1980 nenhuma outra cidade fora do eixo Rio-São Paulo que tivesse uma indústria, tivesse gravadora [como a WR], que tivesse tantos artistas fazendo sucesso e consumindo a sua própria música. Isso foi uma coisa inédita”, conta o jornalista. Para ele, o movimento tem motivos de sobra para comemorar.
Luiz Caldas também ressalta a importância da axé music para o contexto sócio-econômico do cenário musical baiano. “Eu consegui inventar a axé music e modificou não só a vida de muitos artistas e de muita gente, mas também de setores. São famílias que vivem de axé music, porque existe uma gama de setores que se utilizam da axé music para poder sobreviver”, orgulha-se. “Para mim, isso é maravilhoso, são 30 anos de sucesso e que o mundo gosta e que dá pano pra manga e ainda vai dar muito pano pra manga para todo mundo”, alerta.
Publicada originalmente em 09/02/2015 06h00 - Atualizado em 11/02/2015 08h53
A matéria original, com um vídeo do Luiz Caldas, o Criador do Axé Music, pode ser encontrada no endereço http://g1.globo.com/bahia/carnaval/2015/noticia/2015/02/o-que-axe-music-tem-saiba-como-o-genero-baiano-conquistou-o-pais.html
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