No primeiro momento da axé-music, houve uma apropriação da música percussiva pelos blocos de trio elétrico, que passaram a alimentar seus repertórios com o ritmo e as canções dos blocos afro. No entanto, esta musicalidade mestiça era resultado de uma relação desigual entre blocos de trio e blocos afro. Interessados no acesso, em primeira mão, ao repertório dos blocos afro, pessoas ligadas aos blocos de trio começavam a investigar a cena afro-baiana com um ouvido direcionado e passaram a frequentar os ensaios dos grupos negros, muitas vezes, munidos de gravador, podendo assim repassar para os diretores e produtores de seus blocos/bandas, o conteúdo dos repertórios bem como os nomes dos compositores das canções que estavam fazendo sucesso nos espaços negros da cidade.
De posse destas informações, os produtores das bandas de trio compravam por quantias irrisórias os direitos autorais do compositor e rapidamente registravam as canções afro em discos que, em muitos casos, venderam milhares de cópias. Segundo o ex-conselheiro do Olodum, Zulu Araújo1, “as bandas de trio esperavam as músicas estourarem nos blocos afro, pagavam uma merreca por elas e ganhavam muito dinheiro com isso. A gente fazia os festivais e as melhores músicas iam para as bandas de trio, quando a gente via a música já estava na rádio”. Isso aconteceu com canções comoElegibô de Rey Zulu e Ytthamar Tropicália, Madagascar Olodum de Rey Zulu, e Faraó de Luciano Gomes dos Santos (gravadas por Margareth Menezes, pela Banda Reflexu’s e pela Banda Mel, respectivamente), entre outras, que antes de serem registradas por seus compositores foram gravadas pelas bandas de trio, tendo vendido milhares de cópias. Os blocos negros viram nisso um tipo de exploração, pois produziam os grandes sucessos das bandas axé, sem que isso representasse nenhum retorno econômico para eles2.
No formato da axé-music as canções dos grupos negros compunham os álbuns das bandas de trio que chegaram a vender até um milhão de cópias( disco de platina), enquanto os álbuns dos blocos afro alcançavam no máximo, a marca de cem mil cópias (disco de ouro). Para reverter este quadro, alguns dos mais importantes blocos negros passam a adotar os procedimentos musicais das bandas brancas, e o samba-reggae produzido pelos blocos afro sofre transformações estéticas, que resultam do encontro do artefato musical - a percussão como manufatura com os instrumentos harmônicos, através do aparato tecnológico.
Os grupos afro aderiram à mescla das sonoridades dos instrumentos percussivos e harmônicos, que implica numa redução do número de tambores da bateria. O volume de som dos tambores abafa naturalmente a sonoridade dos instrumentos harmônicos utilizados pelo samba-reggae, como a guitarra, o baixo, o teclado, o sax. Capturar os diferentes instrumentos através de equipamento eletrônico é, na verdade, a única maneira de conciliar universos sonoros tão distintos. Somente o recurso tecnológico das mesas de som e a habilidade do técnico que as opera, permitem a audição da harmonia ao mesmo tempo em que os tambores rufam. Esta alquimia é realizada pelo equalizador que atenua ou acentua o volume e a frequência de cada instrumento captado pelos microfones, tanto em estúdio quanto no palco. Ele é o meio que garante o diálogo entre instrumentos heterogêneos, permitindo o registro e a performance de formas musicais mestiças.
Este diálogo de instrumentos, realizado pela